domingo, 2 de março de 2008

alterego

ela vivia metida nos seus próprios sonhos. filha de uma geração que assistia a Xuxa dizer com seu sotaque carioca: 'não desista dox seux sonhox', ela aprendeu a assistí-los e interrogá-los, esquadrinhando perspectivas e analisando concretizações. aprendeu assim a sonhar comedidamente. sonhava com o que podia sonhar, com o que acreditava possível. deixe a Xuxa com seus sonhos impossíveis para lá. era idealista sim, admitia, mas era da sua maneira. um idealismo fingido que só ia até onde as mãos alcançavam. irritava-se com a hipocrisia e incapacidade daqueles sonhadores de mais, onde tudo é bonito de mais, possível de mais. sentia-se por vezes meio pessimista, porque desacreditava de mais.
mas era exatamente aí que morava a contradição. ela analisava tanto que acabava achando o jeito certo, a frestra por onde deixar os seus sonhos entrar. e era facilmente enganada por eles, que fingiam-se simples para que ela lhes desse passagem. se instalavam, folgados, e ela dizia: tá legal, fica aí. mas escondia-os logo que alguém os notava. escondia, olhava para os lados, disfarçava. negava de pé junto: não, não, esse sonho não é meu.
era sonhadora e hipócrita, como qualquer um.