quinta-feira, 25 de setembro de 2008

porta-guardanapos

eu fui. afinal, desde quando eu sou de dar pra trás? ou pelo menos era o que eu teria dito se você também estivesse lá. teria dito exatamente isso, sorrindo nervoso e gesticulando engraçado. eu fui, como o prometido como o combinado como tudo tinha sido tão planejado, tão milimetricamente calculado que só poderia não dar certo. eu não acho que tenha dado errado. talvez, afinal, tenha sido essa a sua intenção. de que eu fosse pra me encontrar, não com você, mas comigo. pra eu mesma conhecer meu vestido comprido, minhas sandálias baixas, minha bolsa sem cor e meus cabelos coloridos. talvez mesmo antes, você já quisesse que eu conhecesse meu capuccino com chocolate e contasse todas as pintas das minhas mãos enquanto esperava por você. você me conhecia o bastante pra saber que eu não gostaria de estar ali sozinha, mesmo quando eu dizia que era suficiente e independente pra isso. e aí você quis me deixar ali sozinha, de propósito, pra ver se eu esperaria, pra ver se eu fugiria, pra ver se eu de fato poderia ser assim, só. ou talvez você estivesse ali. me olhando pelos vãos de porta, pelas frestas de luz, escondido atrás das mesas ou pilastras que se colocavam na distância que você construiu entre nós. tão tipicamente você... eu poderia ter te procurado pelos cantos, ter perguntado se alguém tinha te visto, ter deixado a conta pendurada no teu nome. eu poderia ter escrito um poema com teu nome. poderia ter ligado, escrito um anúncio no jornal. eu juro que fiquei ali, sentada, como você me pediu, quase uma pose pra retrato. engolindo aquele cigarro todo. aquele medo todo de você vir. aquela saudade que eu nunca tive, mas que refletia no porta-guardanapos.
eu poderia não ter ido. mas como é que eu ia saber?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

em garrafas

todas as minhas palavras estão presas em garrafas. engarrafadas.
e todas as garrafas estão guardadas numa mesma estante, alta e comprida.
às vezes eu estico ao máximo as minhas mãos para poder alcançá-las; às vezes eu fujo delas.

cuspo as palavras que fervilham em mim e as exponho todas, nuas cruas secas feias e frias. ficam todas ali em cima da mesa, gritando por mim. escolho as que não me engasgam, ou as que me engasgam mais, e as engulo outra vez. bebo-as delicadamente. degusto cada sílaba, cada som, cada primeira intenção de significado. é preciso digerí-las. e aí sim elas estão prontas.
vomito-as lindas, com linhas, entrelinhas, linhas tortas. e elas dançam sem medo e com vontade, giram, jogam os braços pro ar, sentem a sutileza dos ventos entre seus contornos.
e aí, nesse momento de encanto estrelar eu as absorvo. e quem sabe muito duramente, as entendo. só às vezes entendo porque vieram, mas sempre sei que estão ali. me fazem companhia noite a dentro, dia a fora. perpetuam-se e propagam-se no mesmo ar de que foram feitas. seguro suas mãozinhas frágeis, como numa ciranda, e as aprisiono ali: nas garrafas.
que é pra poder vê-las de todo e qualquer lugar que eu vá. que é pra poder deixá-las em paz. que é pra poder deixá-las brilhar.