quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Doriana

ela não sabia quantas vezes ele tinha olhado em seus olhos. talves duas, ou três. talvez mais. ou menos. cerca de duas vezes - e meia, porque a última não conta - nas vinte e sete vezes que tinham se visto. isso ela sabia de cor. vinte e sete vezes em dois meses, ou sessenta e um dias. ele deveria ter um metro e setenta e nove. peso não dava pra saber. duas pintas na bochecha esquerda. na última vez ela o encarou de frente e disse: sessenta dias.
ele não fazia a mínima idéia de a quanto tempo eles se conheciam. parecia muito. e pouco ao mesmo tempo. mas sabia exatamente todas as palavras que ela dissera nestas todas vezes. decorara de tanto repetir as cenas mentalmente. poderia até mesmo imitar seu tom de voz quando pronunciava certas palavras. uma delas era um número: sessenta.

ela nunca sentira tanto calor antes, em toda a sua vida, tinha certeza. nunca suara tanto, nem tivera os cabelos tão curtos e nem roupas tão leves. e mesmo depois de meses e meses debaixo daquele sol quente, ela não conseguira beber nem um gole d'água sem se lembrar da forma morta de sede com que ele bebia qualquer coisa. e olha que lá nem era quente, tinha sempre aquela brisa leve. leve e doce, porque tinha o cheiro dele.
ele ainda sentia frio. mesmo de cueca, meias, outras meias, calça, duas camisetas, blusa de lã, gorro, botas e luvas. pra ele a coisa que mais fazia falta na vida era aquele solzinho e a brisa leve. mas isso foi só até o dia em que a vira pela primeira vez: exatamente debaixo daquele sol, blusa vermelha de manga comprida, como se quisesse inventar o frio. ele bem sonhara em levá-la pra neve. e vestiu mais um casaco, lembrando do cheiro dela.

caminhavam de mãos dadas, serenos. olhos fixos nalguma coisa muito distante dali. não falavam palavra, porque já não era preciso. de longe eles eram, sem sombras de dúvidas, o casal mais bonito do mundo. de perto, o olhar dele era meio irônico e o dela meio neurótico. só pra desmentir. mas bastava a eles estar ali: as mãos bem atadas e o olhar no mesmo ponto distante, por mais que pra chegar até lá perfizessem mentalmente caminhos opostos.
as mãos permaneceriam dadas.
já que afinal, felicidade não tem nada a ver com perfeição ou com comerciais de margarina.

3 comentários:

Anônimo disse...

vc vc vc vc devia escrever um livro! *__*

Anônimo disse...

ela ela ela ela escreverá ;)

Bruno Cunha disse...

já perdi as contas de quantas vezes li esse post. (: