segunda-feira, 3 de setembro de 2007

setembro

Ficou ali sentada, parada, estática. Ela, sua saia gigantesca e seus cabelos vermelhos. O único movimento permitido era o da fumaça daquele último cigarro. Tinha um corpo alegre, uma expressão densa, um interior extenso.
Ele chegou com suas sobrancelhas grossas e negras e um olhar de menino perdido. Típico. Espremeu os olhos pra tentar se habituar à pouca luz, fez uma cara de quem detesta estar ali e foi até o balcão. Pediu uma água e esperou.
Sorriu quando a música começou. Era o primeiro sinal vital que emitia dentro dos últimos 40 minutos. Levantou daquela mesa no canto e foi até a beirada do pequeno palco. Prendeu os cabelos num nó e pôs-se a balançar o corpo num movimento leve. Dançava de olhos fechados.
Eles não deviam começar o show com aquela música, ele já tinha dito milhões de vezes. Mas tudo bem, já era. Levantou-se e foi até lá. O vocalista fez cara de surpreso ao vê-lo ali. Ele sorriu. Tirou a câmera da mochila e começou a trabalhar.
Ela tinha alguma coisa quase que espiritual com aquela banda. Toda a sua serenidade se perdia ali. Transcendia a cada nota. Não via ninguém, esquecia de si mesma. Transpirava a cada suspiro do corpo.
Fotografou palco e público, instrumentos e cores de cabelo. E foi bem ai que ele viu aquele vermelho todo. Os cílios ruivos nos olhos fechados. As sandálias baixas de couro. Foi ver de perto pra acreditar: ela cheirava a cigarro e café.
Ela só abriu os olhos quando a música acabou. Sorriu de prazer. Parecia que ia sorrir para sempre. Olhou ao redor. Viu a câmera registrando tudo aquilo e as mãos que a seguravam confiantes. Ergueu os olhos, envermelhou-se de vez. Os olhos negros do fotógrafo a fotografavam, a máquina longe dali. E também sorria, ele todo, olhos mãos boca. Virou os olhos, se recompôs, a outra música já começava.
Queria abordá-la de algum jeito. Um cigarro ou uma água, uma esbarrada talvez. Mas era melhor não. Ela lhe parecia até inatingível vista dali, o belo era não poder tocar. Virou-se, saiu. Mais de longe, fotografou-a, agora de verdade, com a câmera mesmo. Precisava sair dali de uma vez, antes do show acabar. Olhou uma última vez para trás.
Ele estava indo embora e ela não quis acreditar. Era melhor assim, ela sabia. Pra manter aquilo que quase existiu. Ficou olhando, ele viu, ela nem se importou. Sorriram brandamente como que se despedindo, solenes. Como um relâmpago. Viraram-se, ele foi embora e ela ficou, num retorno as suas vidas comuns. Com um quase amor preso no peito.

3 comentários:

Anônimo disse...

ai, é sempre tão bom ler seus textos quando vc escreve com a alma x) é como ver um filme e apavorar-se com o vilão atacando o mocinho, ou então emocionar-se com a paixão de um casal que se beija pela primeira vez depois de muito custo...
eu te amo ;*

Aline disse...

nossa foi lindo! foi mesmo, cara! quisera eu saber escrever assim. já disse que sou sua fã? :}

:**
*tá sumida :P

Anônimo disse...

e a raiva é que a gente nunca mais vê uma igual quando decide ir embora sem falar nada. daí fica com remorso depois x)