sexta-feira, 26 de outubro de 2007

conto de minuto

ela olhava procurando desesperadamente ler em seus olhos o que ele pensava. quem sabe descobrindo o que ele pensava, saberia o que pensar também.
tirou seus cabelos da testa pra sentir o sal. colocou as mãos dele entre as suas, entrelaçou os dedos o máximo que pôde e beijou-os um a um.
ensaiou por alguns segundos a sua voz mais doce, pra poder dizer aquilo que era o que ela mais queria. seria melhor dizer: "fica assim comigo pra sempre?" ou "fica aqui pra sempre?" ou seria fique, pra soar mais bonito e gramaticalmente correto? acabou rindo um riso interno e bonito de quem ri de si pra si. calou o riso, engoliu a frase, voltou pra dúvida.
ele a beijou com a cara cansada mais bonita que se pode ter ao beijar alguém. ou pelo menos foi o que ela pensou. e então ela desistiu de dizer. sorriu seu sorriso torto que ele amava, desceu as escadas, e pra não ter que pedir e ouvir a resposta, ela foi embora.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

você viver mais

-sabe pai, eu tenho um blog. é, um blog, uma daquelas coisinhas de internet que todo mundo cismou de ter de uns tempos pra cá. eu também cismei. sabe, já tem até um tempinho. já tem um bocado de textos e de lembranças por lá. e sabe, eu sempre quis te mostrar, eu juro. mas me faltou coragem. eu fiz um blog pra poder ser idealista nele e mais realista fora dele. exatamente como você quis. às vezes eu acho que é tudo pra você. que eu escrevo pra você. é que tirando uns dias poucos, eu continuo te enxergando de azul e vermelho e um S no peito. ou melhor, eu continuo te exergando despindo a roupa de papai noel, que você nunca despiu por inteiro.
-sabe pai, eu quero tanto que você se orgulhe. acho que é por isso que eu venho lutando todos os dias, desses dez últimos anos. e quando eu vejo as minhas pernas curtas e o meu quarto lilás, é que eu enxergo as outras dezenas de anos que eu vou ter de continuar lutando. eu prometi, e disso você também não sabia. naquele dia no bosque, eu prometi. e ninguém nunca vai entender minhas promessas, e o meu empenho, e muito menos o meu amor. talvez, nem eu.
-sabe pai, eu queria muito que você lesse. que você me lesse. no fundo é um monte de besteiras, mas eu mesma nem acredito nisso mais. existe uma verdade enorme nisso tudo aqui, não é por acaso que ele veio a se chamar espelho. sabe, eu tenho até uns leitores bem assíduos pra falar a verdade. e é engraçado como eles me olham, e até me aplaudem com umas exclamações cheias de entusiasmo. é bonitinho que só. e eu me renovo de vontades de continuar me derramando pra eles a cada exclamação dessas, porque não há ego que resista, eu confesso.
-sabe pai, tem tanta coisa que eu queria que você soubesse. tem tanta história que eu queria contar, tanto tempo que eu queria voltar, tanta música preu te cantar. mas eu tô crescendo sem querer crescer. eu não posso mais te chamar a noite por um mau presságio, nem adoecer porque você viajou e nem chorar lendo pra você um desses meus textos bobos. eu preciso ser grande, e forte, e não mais a "rapa do tacho" insensível sendo a mais sensível de todas, porque puxou de você a alma de artista.
-sabe pai, às vezes o que eu mais queria era voltar pro bosque. e andar por entre os galhos deitados e folhas caídas. só por mais um dia. pra não esquecer das poucas imagens que eu ainda não esqueci. e engolir menos o choro, e cantar nossas músicas outras vezes, e te ouvir falar todas as suas coisas por horas e horas. e fazer igual a Takai e escrever uma canção pra você viver mais.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

de repente

e de repente eu quis que as pessoas não morressem. ficassem congeladas aqui na terra, presas num âmbar invisível. eu que nem a conheci quis que ela ficasse. e que tanto a conheci (sem conhecer) quis também que ficasse. não chore não, por favor, que seu choro tem um ar profético de adeus. eu não quero esse adeus.
de repente eu quis que ela enxergasse. me enxergasse, se enxergasse, já nem sei. assim como eu enxerguei. e vi como ela ficou bonita com os cabelos e roupas novos e como seria ainda mais bonita se ainda fosse minha. dói pensar naquelas três letras juntas, que se dissipam feito as pétalas daquelas florzinhas de soprar. eu quero que vc enxergue, será que é tão difícil assim? eu não quero ser igual a vc. não quero ter de esperar os anos se passarem ou as minhas lágrimas caírem arrependidas. eu não vou me arrepender.
de repente eu quis que tudo voltasse, aquela fé que eu não perdi e só vc reparou. e nem foi só vc. todo mundo viu, acredita? tava escrito em cada entrelinha que aquilo tudo era só um pedido de socorro de quem (e pra quem) acredita de mais. eu continuo a mesma menina dos espelhos, despida dos disfarces que veste dia-a-dia.
de repente eu quis que ela aparecesse. e ela apareceu feito presságio iluminado. estava lá no lugar mais ideal e impróprio e ainda assim continuava brilhando, como eu lhe disse uns tempos atrás. por que é que as pessoas se perdem? e se perdem a dois quarteirões de casa. eu vou parar de culpar vc, vou fazer alguma coisa, foi promessa, palavra de escoteiro, tá feito.
de repente eu quis que tudo acabasse logo. vamos lá, já foi muito tempo perdido nisso! tá nas mãos de Deus, ou dos céus, ou de quem é for que mande nisso. minha parte tá ai, meio incompleta mas no limite. eu tenho mais alguns dias até lá, e umas zilhões de coisas pra esses dias mas eu não vou nem estremecer. "se der, deu" já diziam os filósofos das terras distantes e inimagináveis da minha imaginação.
de repente (e não tão de repente assim) eu te quis. quis como eu só tive algumas vezes (e meia?!) ou como já tive centenas (aproximadamente 570). quis como eu quero todos os dias nesse jeito de te sufocar e me sufocar. até pedir por favor pra querer menos, que querer de mais assim deve fazer mal, não é possível! mas não faz não, e engrandece. e eu continuo querendo e re-querendo e requerendo.
de repente, não mais que de repente, eu fiz um monte de quereres num papel-tela. e perdi o sono e ganhei o sono, na caixa verde das maçãs mordidas que veio com o horário de verão e um monte de sonhos, melancolias e pedidos dentro.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

des-crença

dói. dói horrores, dói ainda mais minha gastrite, dói até o rim. e se eles cansaram... eu também cansei. cansei exatamente porque dói. eu não quero mais ver, nem ouvir. eu quero ignorar todos os jornais e telejornais e programas políticos. quero esquecer. quero perder a consciência. quero urgente, por favor!
não dá mais pra tentar ser diferente do comum, onde o comum é essa alienação fingida. melhor fingir que não ter. eu quero ter, quero me alienar. porque quando se pára (e pensa) essa desgraça em cadeia dói, ela afeta até meus filhos que ainda não foram feitos e eu nem sei mais se serão, porque eu não quero essa desgraça pra eles. e se eu desisto é porque perdi a fé. eu não enxergo mais uma salvação, uma solução, uma saída. não existe mais nem a esperança longíqua daquele comunismo que me soa tão utópico. não tem mais nem mesmo os bons e velhos hippies, hoje eles são só um bando de maconheiros, e olhe lá. todo mundo se contaminou. ou morreu. porque os bons morrem sempre jovens, as grande idéias morrem jovens e a esperança morre no jovem.
minha irmã tem mesmo absoluta razão, o que há é ser má. sendo má eu fico viva e me corrompo também.